Nos últimos anos, o Bolsa Família tem sido apontado como um fator "encorajador" às mulheres a buscarem separação. Antes, por conta da dependência financeira dos maridos, muitas mulheres largavam mão do trabalho para cuidar dos filhos e se tornavam "reféns financeiras´ do marido. Hoje, sete milhões de famílias nordestinas recebem o benefício, quase todos sendo tutelados por mulheres.
A independência financeira é apontada como fator decisivo na hora da separação. Segundo a pesquisa do Registro Civil 2011, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), o número de separações é sempre maior nos Estados mais ricos. Distrito Federal, São Paulo e Santa Catarina, por exemplo, têm taxas anuais de divórcio de 4,8, 3,4 e 3 por mil casamentos, respectivamente. Já as menores taxas estão nos Estados mais pobres: Maranhão (1,1) e Piauí (1,4) apresentam as menores taxas. No país, a média é de 2,6 divórcios por mil.
Apesar dos menores índices, é nos Estados mais pobres que o índice de divórcios mais cresceu proporcionalmente nos últimos anos. No Maranhão, por exemplo, o índice aumentou 175% entre 2009 e 2011, saltando de 0,4 por mil para 1,1. Em Alagoas, a taxa também mais que duplicou, saltando de um para 2,4 por mil casamentos. Ceará e Piauí também viram seus índices duplicarem em dois anos.
Impulso
O impulso dado as separações é relatado no estudo "Ações de transferência estatal de renda: o caso do Programa Bolsa Família", da antropóloga Walquíria Leão Rego, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Para ela, o programa produziu uma "mudança significativa, observável a olho nu" na vida de mulheres beneficiadas.
No estudo, a antropóloga cita como exemplo as entrevistas com mulheres no sertão de Alagoas. Walquíria cita um caso que chamou atenção: "Refiro-me ao caso de uma mulher que conseguiu separar-se do marido que a maltratava. Livrou-se dos maus tratos graças, em grande parte, a este início de independência econômica."
O exemplo é de Quitéria Ferreira da Silva, 34, casada e mãe de três filhos. Em entrevista à antropóloga, ela primeiramente se negou a falar sobre o momento de seu casamento, em 2006. Um ano depois, após ser inscrita no Bolsa Família, teve coragem de separar e passou a usar a renda do governo para sustentar os filhos.
Na pesquisa, a antropóloga relata que há um "consenso generalizado entre as mulheres" sobre a "avaliação positiva do programa de renda familiar e a consciência da superioridade feminina no quesito da responsabilidade maior na gestão da economia doméstica."
Apesar da aprovação, as mulheres citam que o valor repassado é insuficiente. "[Elas] Reivindicam mais renda diante da ausência quase absoluta de perspectiva de empregos regulares. Seu horizonte de expectativas é reduzido, simples. Apenas querem ter acesso a uma vida mais digna, habitações melhores do que seus miseráveis casebres, normalmente mal iluminados, mal ventilados e exíguos para abrigar toda a família", aponta.
Independência
Com as separações cada vez mais comuns entre os casais nordestinos, exemplos não faltam de mulheres que se separaram, recebem benefício do governo federal e deixam de contar com as pequenas pensões como única renda para sustento dos filhos.
Com três filhos de pais diferentes, Veroneide da Silva, 25, manteve união estável de 10 meses com o pai de seu filho mais novo --Alexandre, dois meses. Sem saber o paradeiro do ex-companheiro, a mulher, que mora em Murici (a 51 km de Maceió) afirma que o benefício do governo federal é determinante para o sustento mínimo de seus filhos.
"O Bolsa Família ajuda muito, pois recebo R$ 134 por mês, que é mais que o dinheiro repassado pelos pais dos meus dois filhos [que pagam entre R$ 40 e R$ 50 de pensão]. Minha mãe também ajuda, porque mesmo com a ajuda do governo, é pouco", disse, citando que o motivo da separação foi que o ex-companheiro "não queria trabalhar." "Ela botou ele pra fora por isso, e está certa", gritou uma vizinha, durante a entrevista.
Elisângela Maria da Silva, 24, também é separada e desempregada. Sem o dinheiro do marido, do qual se separou há seis anos, ela conta que --após ser deixada pelo então companheiro-- deu entrada com pedido do Bolsa Família e sobrevive com o dinheiro repassado pelo governo federal em Rio Largo (na região metropolitana de Maceió).
"Tenho quatro meninos [entre um e nove anos] e depois que me separei isso passou a ser a única fonte de renda que tenho, fora a ajuda dos pais dessas crianças. O pai da última criança não ajuda com nada, e se não fosse o Bolsa Família, teria que me virar sozinha", conta a mulher, que ainda recebe R$ 100 de pensão do ex-marido.
Programa "feminista"
O professor de economia regional da UFAL (Universidade Federal de Alagoas), Cícero Péricles Carvalho, explica que, além de dar condições financeiras às mulheres, o Bolsa Família influenciou também diretamente na vida cotidiana da parcela feminina de pobres do Nordeste. Isso ocorre porque, segundo as diretrizes do programa, a renda do programa vai prioritariamente para as mulheres.
"Isso é explicado pela prática de vida: elas são mais comprometidas com os filhos, têm menos vícios, como alcoolismo, e gastam esses poucos recursos com mais sabedoria, principalmente no tocante à alimentação", disse.
Para explicar a "independência" pós-separação, Carvalho cita que, com o Bolsa Família, "milhões de mães de família estão recebendo, pela primeira vez, algum tipo de renda mínima." No Nordeste, o repasse médio mensal do programa às mulheres é R$ 150, segundo dados de dezembro de 2012.
Ainda segundo Carvalho, as mudanças com a renda federal vão desde a melhoria na alimentação doméstica, até uma maior independência dos maridos e companheiros. O professor afirma que ainda há uma cultura machista que impera na região.
"No Nordeste, devido ao seu atraso social, apesar das mulheres serem maioria, com dois milhões a mais que homens, a predominância de valores conservadores faz com que o papel social da mulher seja sempre secundário. Por isso, o acesso a renda do Bolsa Família, mais a possibilidade de colocar os filhos na escola e ter acesso a saúde pública, ampliando as possibilidades de trabalho, modificam um pouco a relação interna familiar, abrindo perspectivas para esse conjunto pobre que vive nas periferias das cidades ou no campo nordestino", explicou.
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